– Helena morreu!
– Como assim? Morreu de que, perguntei surpresa.
Com seus olhinhos perspicazes de boneca alemã, Fernando interrompeu:
– Morreu de cansaço, morreu de desprezo, indiferença, ingratidão, maus tratos.
E parei o movimento na piscina para refletir.
Há muito vinha observando o semblante de Helena. Cada dia mais distante, olhos perdidos, como se a vida houvesse se transformado em um fardo inaceitável, um trapo. Tantos anos de labuta, tanto dinheiro ganho e investido em uma família que não foi capaz de lhe retribuir em carinho e atenção, apenas em dinheiro, a mais triste das moedas de troca.
Sempre muito bem vestida, um maiô a cada sessão de hidroterapia, acompanhada de mulheres estranhas, algumas com olhares predadores em seus uniformes brancos de acompanhantes. Impacientes, irritadas, mesmo, ou então teclando seus indefectíveis celulares, alheias ao que se passava com Helena. Apenas cumprindo horários, certamente muito bem pagos. A elas cabiam apenas atuarem como frias observadoras de um corpo decadente, porém ainda lucrativo, mas, apesar disso, às vezes Helena chegava com um hematoma aqui, um arranhão acolá, frutos de quedas ou sabe-se lá o que mais. Quem iria fiscalizar?
O que elas pensavam da Helena? Nada. Tudo não passava de um lento e aborrecido contar de horas entre o tratamento, a condução para casa, as fraldas, remédios, comida e… Só. Não foram contratadas para amar Helena, decifrar os seus olhares, afagarem o seu rosto, atenderem os seus desejos, respeitarem suas pequenas manias. Não, isso não era com elas. E parece que não era da conta de ninguém. Helena foi ficando cada vez mais surda e quando um dia lhe perguntei, olhos nos olhos, por que não usava um aparelho, me respondeu:
– Meu médico disse que não precisa, que é para deixar assim mesmo. E me dirigiu um doce e triste sorriso. Ela havia entregado os pontos. Percebi. Em casa, chorei de tristeza.
-!?!?!?!?!?
É verdade. Helena não morreu de doença. Ela, assim como muitos idosos de qualquer classe social, morreu por que a maioria considera pessoas idosas como fardos. Aborrecidas, às vezes incoerentes em seus discursos. Cheias de dores, a dores que herdaram da vida e seus desafios, tristezas, memórias.
Sabe meu amigo, acho que essas criaturas não morrem de causas naturais. Elas são assassinadas friamente por seus filhos e netos que ficam torcendo pela herança. Pelas autoridades implacáveis que os exploram e não os protegem. Por uma cultura que exalta a juventude e pune os que não correm, malham, brigam, abrem espaços, conquistam. Esses não servem mais. Esses, na visão desses monstros, têm mesmo é que morrer.
rua DOUTOR GARNIER, ¨623…é verdade, e é por isto que apanhei a responsabilidade de cuidar de todos os meus idosos pessoalmente, sei que não terei o mesmo cuidado, se fosse contar os horrores que vejo e ouço por ai, deixaria todos surpresos…